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Ensaio Reticom

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sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

A desesperança é um vazio sem lugar pra acomodar...

 Sinto o veganismo a luta mais dolorosa travada socialmente, diariamente.

A exploração das demais espécies é a única relativizada, justificada, aceita tranquilamente.

Assumir esta luta contra o mundo é aceitar a derrota,

numa dor instalada num lugar que tá morrendo em atividade remota.

Não se preserva mais... nem com humanos, imagina com animais?!

No neoliberalismo, a empatia, o respeito, a compaixão

monetizaram o cidadão.

É tudo pra fora...

dentro mesmo o amor já não mora.

A esquerda se encontra na luta contra a opressão

até a página treze, quando a opinião

passa a exigir uma ação!

Abrir mão de conforto não tá em jogo..

na linha de frente do confronto só tem corpo morto.

Eu quero a libertação dos meus pra poder usufruir, geral, igual quem me phudeu?!

Eu quero é justiça pra viver em paz num mundo que tem muito mais do que você e eu.

Tem um tanto de gente celebrando a paz,

se lambuzando em corpo inocente que jaz.

Rotulado de comida

tem mãe e filho proibido de lamber as próprias feridas.

Viver confinado, em manutenção, torturado.

Bico cortado, bebês triturados,

Patas inchadas, úteros estourados.. tudo ignorado.

Mata, corta, embala e vai pro mercado.

Um corpo sofrido, ralado, moído

agora alimenta o meu, o seu filho,

de violência imbuído,

comendo embutido

num mundo enfeitado e doído,

de sorriso fingido

num rótulo hipócrita que ilustra o bicho feliz por ser consumido.

A gente aprende que inseto é sujeira,

atirar o pau no gato é brincadeira.

leite de vaca na mamadeira,

Que a vaquinha da pra gente,

pra ela não ficar doente.

Como mãe, nada sente.

Sugada na máquina, força outra grávida e seu corpo é producente.

Humano, bicho racional que já não sente...

tudo é coisa, é produto, a natureza tá aí pra servir a gente!

Que deus injusto...

inventa vida pra servir e faz o bicho sentir tudo?!

Sente medo, sente dor, tem desejo, mostra amor...

E eu, que vejo tudo isso, tenho que seguir disfarçando essa dor?!

Fingir ser normal, matar em ritmo industrial, porque a carne do outro tem sabor?!

Aceitar subjugar o animal porque foi o homem que criou?

Como a creditar na paz e no amor

se é frequente a sistematização da dor?!

Nosso futuro tá traçado,

na agonia vou lembrar, de cada um que foi matado,

prum pouco de gente lucrar.

Vou pensar em quem fechou os olhos pra priorizar o paladar.

Vou lembrar de acreditar que só sem os humanos a terra podia suspirar.

Vou chorar a ausência de um deus que permitiu o livre arbítrio

e não impediu um único grito,

que só a humanidade conseguiu ignorar.

A desesperança é um vazio sem lugar pra acomodar...


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quarta-feira, 6 de julho de 2022

Eu ocupo meu corpo

 Eu ocupo meu corpo.

Meu corpo ocupa um espaço.

O espaço que meu corpo ocupa foi uma escolha minha? Eu, que ocupo meu corpo, escolhi o espaço que meu corpo ocupa? 

Meu corpo debruçado na pia, meu corpo em pé, debruçado, braços molhados, ocupa um espaço físico limitado, me força estar onde ele ocupa. Quem se ocupa do meu corpo? Como posso ocupar um espaço que faz meu corpo se ocupar de coisas que eu não me sinto ocupar? Que eu não me sinto morar... 

Minha ocupação é determinada pelo meu corpo? Ou minha ocupação é meu corpo e me cabe levá-lo à ocupar outros espaços? Fazer do lugar uma ocupação... Ocupar o espaço. 

Meu corpo é meu espaço e eu não posso me ocupar dele? Fazendo desta moradia um lar, pintando, pendurando arte, quebrando paredes e levantando outras... Não ter portas, mas querer janelas?!

É o meu corpo e eu mal posso me ocupar dele porque o espaço público que meu corpo ocupa não gosta de quem ocupa os corpos... Mal nos deixam saber quem se ocupa dos nossos corpos e nos culpam por eles estarem e por serem quem queremos que eles sejam para que nos permitam existir. 

Meu corpo debruçado na pia, braços molhados, eu debruço sobre meu corpo tentando entender se o que me ocupa me constrói, me reconstrói ou me destrói. 

Deixar meu corpo como desocupado  e deixar as ocupações assumirem, sem que eu faça questão do espaço que eu ocupo é uma alienação autodestrutiva. O tipo mais comum de suicídio! E já é cultural... Ocupam nossos corpos para que nós não nos ocupemos deles. 

Ocupar o próprio corpo ecoa culpa...

Negar as ocupações que não me ocupa, ecoa culposo. 

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Que idade a criança deve ter...?


Que idade a criança deve ter pra gente falar sobre a morte?
A gente espera alguém morrer... pra ver como vai ser?
E se o próximo for ela... for ele, a morrer?
Daí não se tem mais nada a dizer...

Que idade a criança deve ter pra gente falar sobre racismo?
A gente espera o mundo dizer... O que pode preto não, e branco fazer?
E se a próxima bala encontrar o corpo dela... dele, pra se esconder?
Daí não se tem mais nada a dizer?

Que idade a criança deve ter pra gente falar sobre fome, pobreza, injustiça?
Se a gente esperar o que o mundo tem pra dizer
Sua criança vai achar que foi deus a escolher ou a esquecer?
Daí o que ela... ele, terá pra dizer?

Que idade a criança deve ter pra entender que seu capuz é marginal. A do branco é legal!
Que idade a criança deve ter pra entender que seu guarda-chuva pode ser fuzil. O do branco, ninguém viu.
Que idade a criança deve ter pra entender que o nike dela é roubado. O do branco, é irado!
Que idade a criança deve ter pra entender que maconha é errado. Pro branco, é cigarro.
Que idade a criança deve ter pra entender que a postura da polícia dói. Pra branco, é herói.
Que idade a criança deve ter pra entender...
Que idade a criança... ou que tom de pele a criança deve ter pra gente falar sobre aquilo que não ninguém quer dizer?

domingo, 11 de fevereiro de 2018

Às mas línguas

Xiii, ela é dessas...
Pensa que o bebê define a gestação
Gosta de parto sem intervenção
Gente besta pra sentir dor!
Pra que sofrer tanto? Que horror!

Xiii, ela é dessas...
Seis meses só no mamar
Acredita em pulseirinha de âmbar!
E faz cama compartilhada...
Você vai ver depois, ta ferrada!

Xiii, ela é dessas...
Não usa fralda descartável
Nenhum bico é recomendável
Implica com vacina
E no peito também nina

Xiii, ela é dessas...
Toda na livre demanda
Diz que é o bebê que manda!
E na introdução alimentar
É também o bebê que vai guiar

Xiii, ela é dessas...
Frutas e legumes inteiros
Mimimi de formas, gostos e cheiros
Que sujeira comer com a mão!
Pobre criança, este João...

Xiii, ela é dessas...
Não pode carne, leite, não sei o que mais
Tudo tem derivados de animais
E deixa a criança suja no chão!?
Pobre menino, este João!

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Eu enfeito meu caminho enquanto alimento minha crença



Ao tempo deixado em mim, com a ausência de palavras suficientemente complexas, que esbarrasse na imensidão de achismos e sentimentos, num conflito vagaroso sobre o lugar do outro em mim. 
As escolhas entre os meios de manifestações têm mostrado opiniões de aço, porém ocas.
Rostos belos e almas loucas. 
A insanidade, quando não encarada de frente, descaracteriza o indivíduo, transformando-o em sujeito passivo, empurrado pela maré, com discurso pomposo, como se acima da ralé.
Meu desgosto pela desgraça, mentira, hipocrisia esgana minha necessidade de comunicação, de dança e poesia. A beleza perde o sentido em frente ao desdém e a indiferença.
Eu enfeito meu caminho enquanto alimento minha crença.
Assassinos de animais, escassez de professor
Os clientes são os pais e a fome do eleitor
Não importa quem apanha, a polícia tem razão.
Pois protege só quem ganha, são os donos da razão.
Tem a arma na cintura, a farda tão segura, mesmo assim lhes falta o pão.
A lei pertence a quem pertence o capital, não vem dizer que não!
A justiça lenta, que mata a alma e envenena, é pra todo resto que ganha mal e engole merda do patrão.
A arte vendida como entretenimento, respira com inalador entre a população.
Seu mal maior é o dinheiro. Anda matando mais que a poluição.
A doença que vence o ventre, tá exposta na vitrine. Nem amor de mãe redime.
Supera-se a fome, ainda que no lixo.
Supera-se a compaixão, confinada no luxo.
Sinto vergonha de olhar aos olhos de Cristo
E outros tantos que deram a vida numa crença, na luta, pelo justo
A gente segue cego na tentativa de erguer o busto
Mas não se desvê a violência que contorce o rosto. 

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Tenho pensado em Frida..

Tenho pensado em Frida...
E em como as dores calam.
Dores diárias, crônicas, rotineiras
Dores físicas, que nos lembram
de doer a cada ação costumeira.

Tenho pensado em Frida...
E em como, nas dores, me calo!
Sentir dor e recusar o sofrimento.
Conviver com elas, resistindo
o espaço que elas vão, aos pouco, vencendo.  

Tenho pensando em Frida...
E nas dores físicas caladas.
Perto das injustiças,
Estar em casa, segura e alimentada
Ainda é ter nelas, nas dores, uma aliada.

Tenho pensado em Frida...
No ferro, na solidão do gesso,
no espelho calado!
Eu não desenho, mas tenho nas palavras
a leveza de um sofrimento alado.

Tenho pensando em Frida,
como mulher, como artista, como humana!
Dores físicas, traição, em uma vida tirana.
Seus registros fizeram história mundana
Concretizando sonhos abortados e dores insanas!

Tenho pensado em Frida...
E no meu silêncio, me calo!
Respiro minhas dores, aspiro meus amores.
Crio meu espaço, de choro e desabafo.
E sigo sorrindo, escrevo, danço e não desabo!

São textos, músicas e quadros
Que me mantém viva e inspirada
em mulheres de vidas superadas!


segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Maternidade é solitude

Maternidade é solitude.
Seu tempo não é seu;
Sua personalidade se perdeu
Perspectivas mundanas,
Ampliam uma realidade insana.
O presente é aberto,
impossível estar no futuro.
O sono dorme perto
Auto amar é maduro!
É altruísta, é pro outro
A resposta, não é pouco.
É um mundo de ponta cabeça,
É construir mais uma peça
É de extrema responsabilidade
E cada aprendizagem, é tatear felicidade!


Maternidade é solitude!
É ser o outro para ser você
É estar do avesso pra se conhecer
É não poder ir, é querer ficar
É estar em dois para entrar
Um motivo sem cessar.
Não tem descanso no bar
Conversa fiada pra relaxar
É ter uma vida de saudade
Lembranças numa realidade
Que sacia logo estas vontades
Pois te faz do mundo, novidade
Pras mesmas coisas,um novo olhar
Talvez esteja aí a essência do mudar,
Do transformar,
Do arriscar, criar, revolucionar!
Talvez esteja aí nossa dificuldade para amar
o que não é posse. E nem que se possa...
Eu que fiz, e não é meu.
Minha cria, pra sociedade!
Seja de deus ou seja ateu,
Que seja ser de liberdade!

Da Rosa ao Ernesto

A rosa é meu registro do divino
Marcada na mira do coração.
Ainda somos um, menino
No meu peito, teu leite em produção.

Entre tantas simbologias
Meu seio é teu colo e alimento
Ainda acredito em magia
Quando nasce amor deste sustento

Me fez integrar à natureza
Sentir em mim, de mim
Parte desta sagrada beleza

Me trouxe medos e incertezas
Relativou perspectivas, enfim
Em pequenas ações, há grandezas!

Às Veteranas do Jabaquara

Mãos que plantaram
Calejadas de pás e enxadas
Mãos que secaram
Chão, pratos e lágrimas.

Encontraram cores na velhice
Se permitiram as meninices
Da arte, da liberdade do ser
O direito e o espaço, ter!

Onde eu via janela fechada
Elas viam árvores floridas
Todas encantadas!

Onde eu via cascas de feridas
Elas mostraram, na pele sofrida,
As alegrias (p)reservadas...

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Relato do parto

Terça, 16 de maio. Celso e eu estávamos no segundo e último dia do curso de casais grávidos. Parto, amamentação, vacinas... Almoçávamos na casa da minha mãe, quando um corrimento, chamado por nós de geleia de abacaxi, apareceu vivamente. Comuniquei meu obstetra, que me recomendou ir ao Sofia Feldman (onde escolhi parir) verificar meu útero, meu tampão. Cabulamos a tarde de curso e seguimos orientações.
Chegamos lá por volta das 15h, e até ser atendida, por volta das 18h, pudemos acompanhar alguns casos mais alarmantes. Eu seguia com pequenas dores, sem periodicidade certa, e bem. Quando nos atenderam, me examinaram (um exame de toque terrível que garantiu que meu colo estava fechadinho) e comunicaram: "Não é política do hospital te deixar ir embora". Eu estava de 41 semanas e 3 dias! Caso eu optasse por ir, assinaria um termo de responsabilidade. Neste momento toda minha expectativa ruiu...
Passei a gestação, que não foi leve pra mim, planejando um parto natural, na casa de parto, com músicas sagradas, luz de velas e uma coroa de flores na cabeça, com as cores de Oxum, entre outras preciosidades das minhas crenças. Romântico! Na realidade, meu quadro já não me permitia a Casa de Parto e sugeria indução... Chorei. A escolha era minha... Voltar pra casa, arriscar coisas que não conheço como placenta velha, bebê desenvolvido demais, o que poderia favorecer uma cesariana posteriormente... Ou me internar e confiar naquela equipe na qual tanto investi este sentimento na gestação. Ficamos!
Fui internada às 18h30, mais ou menos. O primeiro atendimento foi acolhedor. Vimos o bebê, conversamos sobre a indução, a obstetra alimentou minhas expectativas e disse que não seria este processo que anularia meu parto desejado. Tudo poderia correr como esperado. Assistimos um vídeo lindo de um parto ocorrido lá, com indução, na água... Estava confiante de novo!
No primeiro leito, houve muita conversa, escuta, explicações... e uma espera até as 2h da manhã para começar a indução. Entendi isso como uma atitude de respeito à minha escolha. Mas não deu pra segurar mais. Introduzido, então, o primeiro comprimido.
A presença do meu companheiro, ao meu lado, todo o momento, foi essencial para que eu me mantivesse confiante. Os gemidos de dor ao redor, o encontros nos corredores, os olhares... Cada momento fez sentir-me segura, por não estar sozinha. E é impressionante a força que paira no ar quando no encontro de muitas mulheres. Gestantes!
06h da manhã, outro comprimido e nenhuma novidade lá dentro. O monitoramento das condições, minha e do bebê, eram constantes, humanas. Me explicaram muitas vezes o procedimento caso desse certo, e caso não. A indução poderia ter até seis comprimidos (muitas vezes não chegava à isso. Algumas vezes, não acontecia nada mesmo, passando para novos procedimentos - rompimento da bolsa, ocitocina sintética... cesárea!)
Troquei de leito antes do terceiro comprimido. Subi, me afastando mais das salas de parto... Meu quadro apresentava demora. No segundo leito, novo acolhimento, novas explicações, e as 10h30 um novo comprimido. Minhas dores eram leves, sem periodicidade certa.
Enquanto no primeiro leito eu ouvi mulheres parindo lá mesmo, sem tempo para mudar de sala, neste segundo, minha vizinha estava com 2cm de dilatação há horas... Todas no processo de indução de parto. Desesperei! Outro exame de toque para ver meu colo, e fechadinho! Seria cesárea, meu Plano de Parto tinha ido por água abaixo! Foi neste momento que a enfermeira perguntou: Cadê seu Plano? Por que não está aqui? Entreguei pra ela, revimos tudo e cada desejo meu já era política da maternidade. Mais uma vez, fui motivada a acreditar que meu parto ainda poderia ser natural, conforme descrito. Banhos quentes, caminhadas... seguimos acreditando. Ás vezes, meu companheiro mais do que eu. Neste momento, a visita de minha mãe me deu mais força e esperança. As coisas seriam como deveriam ser! Meu foco de repente era o bebê... Não mais meu sonho romântico de parto!
Enquanto nada acontecia, fiquei mais uma vez encantada com os cuidados desta instituição para comigo. Como vegana, nada me faltou nas refeições, nem nas conversas sobre as intervenções e vacinas. Me senti, muitas vezes, hospedada num bom hotel! =)
Fim da tarde do dia 17, quarto comprimido. Sentia a enfermeira tentando me manter esperançosa. Eu já nem queria tentar até o sexto... Celso teve que sair, fiquei sozinha por um momento quando um dor chegou para me torcer o útero. Enfim, uma contração, de verdade! Neste momento, a mulher da minha frente entrou em trabalho de parto, todos a acolhiam, eu me contorcia. A enfermeira,, de longe, me perguntava: "É contração, Priscila?" Porra, sei lá... muita água começou a sair de mim, e antes que eu pudesse perguntar, outra contração me calava o raciocínio. 2cm! Meu companheiro voltou, desesperou e outra contração. Muita dor... 4cm!! Rapidamente me levaram pra sala de parto. Chegando lá, 6cm! "Fica aqui até que a sala com banheira seja liberada. Você terá seu filho na água, conforme seu Plano". No chuveiro, conheci a enfermeira que acompanharia meu parto e minha doula voluntária, que ficou comigo todos os momentos. Numa tranquilidade sem igual, a cada contração, ela se abaixava comigo, olhava nos meus olhos, sorria... Jamais esquecerei aquele rosto, aquele semblante!
As contrações eram cada vez menos espaçadas. A água quente ajudava muito... E cada pessoa lá dentro, comigo... Novo exame, 10cm!!! A força vinha do corpo, nada se pensa nesta hora. E entre uma contração e outra, era como se nada tivesse acontecido. Conversava, ria e pensava que seria bom que meu filho tivesse um dia pra ele, e deixasse o dia 18 sendo aniversário só do pai. Estava tranquila... eram 20h e pouco. Nova contração! O que aliviava minhas dores, eram os comentários: "Ta quase", "Ele está vindo, Priscila", "Já da pra ver a cabeça". Em nenhum momento estas motivações cessaram, e eu trocava de posição a cada tentativa frustrada de não conseguir empurrar mais. Cócoras, em pé, de quatro, deitada... Nada aliviava aquilo que deveria ser feito. O dia estava acabando, minha energia também e o quadro não mudava. Bendito foi o pano que minha doula me deu para morder! Parece ter evitado que minha energia saísse pela boca, permitindo que concentrasse onde deveria: Lá embaixo!
Quase 0h. Estávamos todas cansadas, meu companheiro focado na saída do filho, me estimulava a não fechar as pernas, fazer mais força... Não desistir. Eu esqueci, naquele momento, que desistir não fazia parte da realidade. Não tinha mais força! Até que o monstro verde chegou!
Celso deixou minhas músicas tocando... Músicas que de fato me davam força, me concentravam. Mas eu só as ouvia nos pequenos minutos entre uma contração e outra. Minha doula já cantava comigo, de mãos dadas, olho no olho.
A chegada do monstro verde  - obstetra de plantão - foi para me lembrar que desistir não era uma opção. A força terrorista que ele me deu não era compatível com o lugar que escolhi, e com o momento em que eu vivia. Uma vez eu deitada, exausta, mandou me verticalizar. Sem sucesso. Seu discurso começou a trazer duras realidades... Fórcepes, vácuo e o risco do bebê não conseguir sair. Acho que muitas coisas eu apaguei da memória, mas não consigo esquecer o momento em que me vi vivendo tudo que eu não queria! De repente, a sala estava cheia. Eu estava deitada, com três pessoas segurando cada uma das minhas pernas, que insistia em fechar à cada empurrão, o obstetra com o copinho para puxar o bebê na minha frente quando começaram a forçar minha barriga, empurrando o bebê. Eu virei bicho! Não era nada daquilo! Não era pra ser assim... Por isso estava no Sofia! Eu empurrei à todos, me desvencilhei daquelas mãos, virei de costas para o monstro verde, e de quatro, com o pano na boca, de mãos dadas com minha doula, cujo olhar parecia ser tão complacente à minha situação, vi meu companheiro ao meu lado, e não mais lá, na expectativa da saída, ou chegada, do nosso filho... Estava comigo agora! Uma força indescritível me tomou e eu consegui por meu filho no mundo às 0h36. Senti meu períneo rasgar numa ardência desencorajadora, mas a sensação da passagem, seu corpo após a cabeça anulou tudo. Fez-se um silêncio na sala, ou em mim. Eu olhei para baixo e vi o cordão, e rapidamente me entregaram meu filho. Lindo! Parecia tão cansado quanto eu, com aqueles olhos atentos e tão vivos... A sala parece ter esvaziado... Éramos nós agora. Celso ao nosso lado e o mundo parou.
Quando as coisas ao redor voltaram lentamente, a pediatra surge na minha frente, com tranquilidade, felicidade e um olhar penetrante, dizendo que Ernesto estava bem. Que tudo havia sido organizado para examina-lo, que se apresentasse qualquer coisa, por ser muito grande (4,127kg e 52cm), pela demora, enfim, ele não viria aos meus braços, não esperariam o cordão parar de pulsar... Mas ele estava bem, e estávamos realmente felizes com isso!
Celso cortou o cordão, enquanto nossa doula o abençoava ao meu lado. Momento inesquecível! Estávamos, Ernesto e eu, cheios de sangue, suor e lágrimas quando expeli a placenta, e fomos devidamente apresentadas. As enfermeiras me mostraram, e apesar de lindo, nada mais parecia interessante diante daquele par de olhos cinzas que me encaravam. Melhor momento para levar os pontos... Fiquei lá, sendo costurada de pernas abertas, com Ernesto nos braços, meu marido ao lado e toda dor se deu sentido.    
A maternidade estava lotada. Agilizei meu banho, examinaram o Ernesto, Celso arrumou as coisas e liberamos a sala. Ficamos juntos em todos os momentos, e eu sabia exatamente o que e como fazer com meu filho.
Meu pós parto não está leve... Meu quadril deslocou e tomei muitos pontos. Mas nada neste processo me foi leve... Gestação de mal estar, queimação, indisposição, enjoos e vômitos durante as 41 semanas; um parto punk e uma pós de recuperação lenta. Todo um processo que me provou que dor e sofrimento são coisas distintas. Nenhuma dor física me tirará o que seu olhar, sua presença me traz. E que fui, sou e serei um escudo para João Ernesto, que teve uma vida intrauterina saudável, uma chegada tranquila e temos A pegada láctea!

Por fim, confesso que ganhei uma nova perspectivas sobre as mães, e acredito, agora, que "só as mães são felizes"!